Homem

Do edifício mais alto, coberto de insónia, fixa o homem a bruma das ruas, o atabalhoado trotear das gentes, fixa não por querer ver mas sim porque tal fadiga o mata, e ele fixa, na tentativa de dormir, descansado, só mais uma vez.

Na terra em que vivemos, nesta terra, existe um homem, aliás vários homens, que há noite olham por nós, dos edifícios mais altos, dizem que eles próprios construíram, mas é mentira, pagaram a outros homens, e máquinas, e mulheres para os fazerem, estes os homens que estão lá no topo, estão apenas lá porque o sono não lhes toca, são brilhantes, tal como as estrelas, mas querem sempre mais, mais brilho, como o sol, muito mais, para que na sua retaguarda nunca se veja sombra apenas mais luz, estes homens a quem o sono não toca, têm responsabilidade, em relação a todos, mas mais que tudo em relação ao capital, é o que chamam ao dinheiro, eles pensam em formas de fazer mais, eu que olho, com olhos de sonhador, para o alto dos seus edifícios penso que é preciso apenas, papel e uma máquina muito especial para fazer mais dinheiro, tal como tinta, mas eles não eles querem fazer mais sem papel, usam máquinas, e esquemas, mas muitas vezes máquinas, com muitos números, que se enrolam noutros números e dão números maiores, hoje a insónia debate numerários astronómicos, como o sol ou as estrelas, é por isso que vivem em majestosas torres, querem estar mais perto dos astros que tentam encandear com o próprio brilhantismo.

Hoje ele olha em busca de ideias, mas morre de sono, com medo que uma jogada errada os faça cair de tal torre, feita por eles, ou paga por eles, eles podem cair, como anjos sem asas, desamparados, caídos de cadeirão tão elevado que trespassa nuvens e toca o limite do céu, a fronteira entre o que é terrestre e o que ao vácuo impiedoso do espaço pertence.

As ideias deste ser custam dinheiro, a outros, a todos, por isso ele existe, é filho sem pai, sem mãe, é órfão adoptado por impiedoso capital, razão de viver, crescer mais alto que os outros para então cair, do cimo, sim porque este homem hoje consumido pelo sono e insónia luta por lugar em tal monte Olimpo, luta contra as suas próprias dores para nunca mais voltar a pisar o chão, luta, tal como nós que navegamos sobre a terra, trabalhamos para que ele possa ter ideias, trabalhamos para que ele não tenha que descer de seu pedestal, trabalhamos por mais que comida, água ou electricidade, trabalhamos para pequenos espasmos da vida lá em cima, por vislumbres da vista de tal ser, sem medo da subida ou da queda, mas ele que já está há tanto tempo lá em cima teme, teme por relembrar a tenebrosa relação com a gravidade, e ela ninguém lhe escapa, e tu não serás excepção, ó ser.

Cais-te.

Do edifício mais alto, coberto de insónia, fixa o homem a bruma das ruas, o atabalhoado trotear das gentes, fixa não por querer ver mas sim porque tal fadiga o mata, e ele fixa, na tentativa de dormir, descansado, só mais uma vez.

Homem, eu já vi muitos como tu cair, agora abandonados pelas ruas que caminho com honra de ser humano, pedem perdão e rastejam, puxados pela gravidade, pela realidade, pela terra, pela lama, pela areia e pela pedra que cobre os labirintos citadinos.

Não temas, homem, não temas, porque eu, ser que vez de cima, e eu que te olho de volta cá debaixo, estender-te-ei a mão e levantar-te-ei, ajudando-te a sacudir o pó que te cobre, e dir-te-ei que até os anjos caem.

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