Raiva

Através da minha íris, fiquei propenso ao sabor das ondas do mar, suspenso na sua fúria dilacerante, no caso de amar e desprezar, talvez o caso seja que perante mim e a encobrir os meus olhos um manto negro, cego, cor que parte a lógica e guia aquilo que digo e penso, é irracional e palpitante, frustrado, incoerente, ofuscado pelo nada.
A Raiva!
A voz miudinha do mata e esfola, concentrada num único objectivo, numa única personagem, mais grave, muito mais grave, num ser como eu.
Eis quando a minha consciência folheia pelas páginas que o meu pensamento vai escrevendo com letra esquizofrénica , e se apercebe, que todo o meu poder destrutivo é direccionado a uma pessoa, a minha mão congela, cai sobre o meu colo, braço dormente quando a voz grita desesperada "ATACA", berra aos meus ouvidos cada vez mais forte, cresce, este sentimento para si é terra, água e luz, prospera até se tornar incessante, mas eu caído não encontro forças para mais,
Sobre a mesa, sobre o caderno, sobre tudo, sangue, sangue derramado, pergunto este sangue? Este sangue é meu?
A voz indignada responde "Sim", acalma-se, mas continua "cobarde, é sempre assim, sempre, mais uma vez escolhes fugir, mais uma vez escolhes me esconder dentro de ti".
O sangue escorre pela palma da mão e eu incrédulo observo a torrente, como fiz isto? Sem sentir dor? Sem pensar? Sem querer? Um milhão de questões sem resposta correm pelas minhas sinapses na esperança que a dança entre os hemisférios haja réplica ao que acabou de acontecer.
Não é tempo para niilismos tenho que continuar, tento pegar a caneta com a mão esquerda, levanto-a, a minha bandeira e logo sobre mim comportas abertas as palavras que escondi no cofre, dentro do cofre, dentro de outro cofre, numa caixa de madeira pinho pobre, as conjugações pérfidas, de ignóbil valor, vis, ressabiadas, aquelas que considero malditas e maldizentes, agora que se formam na tinta da caneta sobre o papel manchado.
O golpe é profundo da outra palma jorra a seiva que considero vida, levanto ambas e olho-as sobre a minha cabeça em frente à luz artificial, a lâmpada é o meu deus ateu, aquela que apaga a escuridão na noite sem fim, inquiro existencialismo sobre a mesma, porquê? Eu não sou mártir! Mas a raiva é minha, por isso eu julgo-me e com uma celeridade devastadora condeno-me, o turbilhão de sentimentos é chama na fornalha que derrete a essência que há em mim, a minha alma, que começa a ficar irrequieta bem no centro do meu peito, a voz entra em reboliço e em plenos pulmões protesta "NÃO, NÃO, EU SEI O QUE ESTÁS A PENSAR, A CULPA NÃO É NOSSA", agarro com toda a força a espada, os meus membros encarnados não deixam vislumbrar nem um prenuncio de pele, afiada, aponto o meu âmago, o ardor a aprofundar os lanhos nas minhas mãos, sinto cada centímetro, o cortar da pele, o talhar do músculo, o quebrar do osso, o penetrar da alma, o fluxo sanguíneo jorra sobre mim, quente, impaciente, deixa-me e leva a vida, a voz cala-se, e eu encosto-me na cadeira, a esferográfica é ilha em rio vermelho, a cabeça revolve sobre o pescoço e cai para trás, acabo a fixar o tecto, e respondo "A raiva é minha, só minha" vejo de novo, mesmo a tempo de ver o candeeiro acender a escuridão.

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