Cafés Feios: Esplanada



Olá. Olá. Portanto mais uma vez tu, sim tu, porque só tu me fazes sair da minha zona para andar 10km nas ruelas meio perdida e vir ter a uma esplanada no meio da rua, no meio da passadeira, numa esplanada ligada a uma tasca? Isso significa que sou importante. Julgas-te. Então explica-te, o que te fez fazer esses quilómetros. Há razões que a razão desconhece. Dirias que na realidade sou a tua unica ligação ao mundo a sério que no alto da tua torre de escritórios e nas pastelarias gourmet que frequentas com as tuas amigas, tanto ignoras? Não eu vivo no mundo a sério, ao contrário de ti que procuras nas páginas o mapa de coisas que a ninguém, de hoje, importa, e pensas que aqui no meio das gentes mais simples que vais encontrá-lo? Estas pessoas não se esqueceram dessas coisas.


E nisto disponho 1.20 euro, para pagar dois cafés.


Para além disso o café aqui é mais barato. E pior, mal tirado e basicamente uma das três coisas que aqui vendem, café, vinho e cerveja. Que mais precisas tu num café? Um cappucinno, um bolo, nem que seja um reles pastel de nata. Já viste a complexidade dessas coisas? Como assim o que tem de complexo um bolo e um cappucinno? Quando entro num sitio com essas coisas todas perco-me, como me perco na multidão dos centros comerciais. Sim eu sei por isso é que só sabes o caminho para duas ou três lojas de roupa e para as livrarias. Exacto, que mais de interesse pode albergar um centro comercial? Restaurantes, boas lojas de roupa, cinemas. Restaurantes também há aqui sem precisares de ir buscar as coisas num tabuleiro, nem esperar em filas, nem com todas as restrições ao meu tabaco, aqui sento-me, como, bebo, rio, falo e fumo o meu cigarro, para que servem então os restaurantes nos centros comerciais? Vai lá mais gente do que aqui. Claro as pessoas tal como tu esqueceram onde isto é! Porque isto é feio. De certa forma tens razão, de certa forma, mas a beleza está nos olhos de quem vê, e na realidade as pessoas deixaram de ver, deixaram de apreciar a simplicidade. Nos olhos do mundo isto é feio. Incomoda-te a simplicidade? Claro, o mundo só tem forma de avançar e não de regredir no tempo como tanto aprecias. O problema é que o sentido de simplicidade é mais complexo do que o princípio simples e robótico da modernidade, a alma é coisa sem vectores tangíveis. A alma, a paixão, isso é coisa dum mundo passado. Tens razão hoje em dia as pessoas procuram ser eficazes em tudo o que fazem e não ter paixão ou amor. Claro. É isso que procuras eficazmente em mim, sugar-me a paixão, a alma e o amor, coisas que sentes falta e não entendes bem porquê. Eu não procuro isso em ti, quanto muito o sexo, esta relação disfuncional, não emerge em pensamento de amor. Enganas-te eu não te amo, mas ao mesmo tempo, talvez o faça sem saber, tal como tu, quando antevês no espaços que deixo em aberto mais um beijo ou uma caricia. Esse vazio, é vazio da tua cama, da tua almofada, é sitio que não procuro mas que encontro, serás tu que és muito fácil em tal aglutinação. Não eu escrevo amando, amando profundamente as personagens que nem o seu nome sabem até eu lhe o atribuir. E tu sabes o teu nome? Não confundo o meu com o teu, e os deles, e os dos filhos que não temos porque deixas-te essa fome maternal enterrada nas areias movediças desse mundo que tanto idolatras. Eu tenho fome maternal, tu é que não és material paternal. Tens razão ensinaria o amor e a paixão, e todas essas coisas sem formulas matemáticas aos teus filhos, coisas que tu não queres que eles aprendam, para que depois não te arrastem para este mesmo sitio, ainda mais envelhecido mais feio. Exacto, quero que eles me arrastem para a broadway não pelas ruelas sinuosas desta capital de império de areia e pedra. A nossa capital, a cidade que nos viu nascer, e que por muito que te custe beijas com saudade no céu a cada viagem transatlântica para essa eléctrica Nova Iorque, e que abraças com vontade cada vez que olhas as praias da Costa da Caparica na aproximação à Portela. Que sabes tu disso, tu que nada sabes sobre mim e que apenas pensas que sabes. Leio-te nas buscas por estes cafés feios enquanto te espero, no desespero das tuas mensagens rápidas quando te deparas com a possibilidade de não achares a cadeira onde o sol te banha agora. Tu lês-me, ou pelo menos achas, porque o meu corpo para ti deve estar noutra língua, das poucas que não entendes. Não está o teu corpo simplesmente se enche de paixão e vibra sem padrão definido, o teu corpo deixa de ser teu e o meu deixa de ser meu, passa a ser nosso, e essa língua, só é decifrável aqui, nesta esplanada no brando calor que provém da chávena, em que tu dúvidas de cada palavra minha, e sem irrefutáveis argumentos me consegues explicar o que aqui fazes.


O olhar de quem nega aparentemente o que digo e o silêncio de quem nada tem mais para dizer.


Vamos embora? Deves precisar de boleia para casa tu, quando cresces e tiras a carta? Quando deixarem de haver cafés que desaprovas e achas feios.

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